terça-feira, 20 de janeiro de 2009

De Dumbarton Oaks a Paris e ao resto do mundo





Por Fernando Sousa
10.12.2008



Há uns anos, Londres e Paris envolveram-se num estranho debate sobre qual das duas capitais contribuíra mais para dar à Humanidade normas que defendessem as pessoas das arbitrariedades dos poderes.

Os ingleses argumentavam com a Bill of Rights de 1689, os franceses com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 100 anos depois. O ridículo falou mais alto e a coisa acabou. Porque no fim, se qualquer dos diplomas - e não só eles - foram estruturadores do conceito de direitos humanos, foi à sombra da II Guerra Mundial que nasceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E dessa vez foi mesmo universal, ainda que preparada por uma amostra de estados e aprovada por nem meia centena, com abstenções importantes, porque pensada por uma organização acabada ela também de nascer, a ONU. Foi tudo muito rápido - nada que se pareça com as décadas que levou, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional a nascer. Em Outubro de 1944, os governos aliados na luta contra as potências do Eixo reuniram-se em Dumbarton Oaks, perto de Washington, para lançar as bases do que deveria ser uma organização internacional destinada a garantir a paz e a segurança no mundo. Ficou então assente a criação de um Conselho Económico e Social (Ecosoc), que entre outras coisas deveria proteger o respeito dos "direitos humanos e liberdades fundamentais". Foi a primeira vez que por essas alturas foi institucionalmente usada a expressão.Palavra a palavraNo ano seguinte, na Conferência de São Francisco, entre Abril e Junho, nascia a Carta da ONU e a própria organização, com cinco referências explícitas aos direitos humanos, mas ainda sem alma: não se sabia bem o que era isso de direitos humanos, tarefa que seria entregue, para funcionar no quadro do Conselho, a uma Comissão de Direitos Humanos. Uma vez formada, em 1947, esta comissão começou logo a trabalhar, isto em Janeiro. O pedido era que pensasse numa Bill of Rights, repartida por três partes - uma declaração de direitos, uma convenção vinculativa dos estados, que nela se comprometeriam a respeitar e a fazer respeitar esses direitos, e um mecanismo de supervisão e controlo. Ficaria só a declaração. Integraram o comité de redacção, de oito membros, representantes de China, Estados Unidos, França, Líbano, Reino Unido e União Soviética. Presidente do grupo: Eleanor Roosevelt, viúva do Presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt. O relator do primeiro esboço foi o jurista libanês Charles Malik, o da versão inicial o canadiano John Humphrey e o do diploma, como hoje é conhecido, o francês René Cassin. Uma vez terminado, em Junho de 1948, o projecto foi apresentado ao Ecosoc, que por sua vez o mostrou, em Setembro, à Assembleia Geral, que o submeteu a uma tortura de 81 sessões onde os países tomaram o peso das palavras, uma a uma. No dia 10 de Dezembro de 1948, no Palais de Chaillot, em Paris, o diploma seria aprovado pela reunião magna das Nações Unidas, por 48 dos 56 membros que então integravam o fórum. Não houve nenhum voto contra. Mas oito países abstiveram-se - União Soviética, Ucrânia, Bielorrússia, Polónia, Jugoslávia, Checoslováquia, Arábia Saudita e África do Sul. Por que é que é uma declaração e não outra coisa tem a sua explicação. Não era para ser assim. Houve quem quisesse antes um tratado internacional que vinculasse os estados. Outros defendiam uma declaração geral que explicitasse o conceito de "direitos humanos" incorporado na Carta da ONU. Conciliadora, Eleanor Roosevelt propôs então uma declaração e um projecto de convenção, acabando por passar apenas a declaração, um documento sem carácter vinculativo, por causa das idiossincrasias políticas do momento em que nasceu.As abstenções no momento da aprovação servem como exemplo. A URSS era contrária a qualquer intromissão da ONU nos assuntos que dependessem da jurisdição de um estado soberano; os sauditas viam o texto como a expressão antes do mais de valores judaico-cristãos; os sul-africanos faziam vista grossa à integração racial.

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