domingo, 18 de outubro de 2009

Jovem da Cisjordânia desafia a morte para se juntar ao namorado em Gaza



Um computador com câmara integrada e ligado à Internet foi quanto bastou para que May Hamed, de 23 anos, e Mohammed Warda, de 25, se conhecessem. E se apaixonassem. Com o aval da família, obviamente. Como acontece nas famílias palestinianas mais tradicionais.

A situação de May e de Mohammed não era, porém, muito comum. May vivia em Ramallah, a capital da Cisjordânia; Mohammed, no campo de refugiados de Nuseirat, no sul da Faixa de Gaza. Separados, portanto, por umas centenas de quilómetros, distância que poderia ser transposta em duas horas de carro. Isto, numa situação normal. O que não é o caso.

Desde Junho de 2007, quando o Hamas ali tomou o poder, que a Faixa de Gaza está bloqueada. E os seus habitantes só podem sair para o Egipto, a sul, ou para Israel, a norte e leste, se os respectivos governos aceitarem. Mesmo que sejam palestinianos que queiram apenas juntar-se à família que vive na Cisjordânia, ou vice-versa. Daí que, quando decidiram casar, e perante a impossibilidade de Mohammed sair de Gaza, tenha cabido a May a ousadia de furar o bloqueio. Fê-lo, após percorrer milhares de quilómetros - desde Ramallah, via Amã, na Jordânia, até Rafah, no Egipto, de onde entrou em Gaza através de um dos milhentos túneis que serpenteiam no subsolo do pequeno território nas margens do Mediterrâneo Oriental. As centenas de quilómetros que separam a Cisjordânia de Gaza foram, por exigência dos governos, transformadas em milhares de quilómetros que May levou quatro dias a percorrer.
Quatro dias e mais uma hora, esta a do percurso particularmente difícil que encerrou a aventura de May. De olhos fechados, por causa do pó que levantava ao rastejar e da areia que esboroava do tecto do túnel, e com o medo por companhia: o túnel podia ruir; os egípcios podiam descobrir que havia ali movimento e lançar granadas para o seu interior como o fazem com frequência ou, simplesmente, Israel poderia bombardeá-lo. Lá fora, sob um sol escaldante, Mohammed - que pagara 1500 dólares, cerca de 1020 euros, para conseguir que os contrabandistas ajudassem May a usar o túnel - aguardava. Com medo também, porque consciente do perigo que a noiva estava a correr. Mais tarde, Mohammed contou que quando viu May a emergir do túnel "foi como se ela estivesse a sair da campa, de tal modo estava coberta de terra". Enquanto May confirma: "Sabia que corria o risco de ser enterrada viva."
"Senti-me muito mal por ela ter de passar por todas aquelas dificuldades só por minha causa", afirma Mohammed. O já marido de May explica, então, à imprensa: "Após o nosso noivado online, pedi aos israelitas que me dessem autorização para ir ter com May à Cisjordânia. Fiz cinco pedidos; em vão." E desabafa, algo amargo: "Infelizmente, os israelitas não mostraram qualquer compaixão connosco, para deixar que nos encontrassem."
Ao recusar a saída de Mohammed para a Cisjordânia, que teria obrigatoriamente de passar por território israelita, o Governo de Benjamin Netanyahu procurou evitar que extremistas deixem a Faixa de Gaza e vão alimentar as fileiras dos que existem na Cisjordânia. E o facto de Mohammed ser da Fatah, da qual recebe 250 dólares mensais por uma tarefa que já não desempenha - guarda-costas de responsáveis da Autoridade Palestiniana - , não deu qualquer peso aos seus pedidos.
E foi por tudo isso que May teve de deixar o seu emprego na butique de Ramalla. "O amor é cruel", desabafa May, que, entretanto, perdeu o pai e não conseguiu ter a família no seu casamento.

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