terça-feira, 16 de outubro de 2007

Lei do Voluntariado

Decreto-Lei n.º 389/99 de 30 de Setembro

O voluntariado é uma actividade inerente ao exercício de cidadania que se traduz numa relação solidária para com o próximo, participando, de forma livre e organizada, na solução dos problemas que afectam a sociedade em geral. Reconhecendo que o trabalho voluntário representa hoje um dos instrumentos básicos de participação da sociedade civil nos mais diversos domínios de actividade, a Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro, estabeleceu as bases do enquadramento jurídico do voluntariado. Procurando ir ao encontro das necessidades sentidas pelos voluntários e pelas diversas entidades que enquadram a sua acção, a lei do voluntariado delimitou com precisão o conceito de voluntariado, definiu os princípios enquadradores do trabalho voluntário e contemplou um conjunto de medidas consubstanciadas em direitos e deveres dos voluntários e das organizações promotoras no âmbito de um compromisso livremente assumido de dar cumprimento a um programa de voluntariado. Tendo em conta a liberdade que caracteriza e define o voluntariado, a regulamentação da citada lei, nos termos do seu artigo 11.º, cinge-se às condições necessárias à sua integral e efectiva aplicação e às condições de efectivação dos direitos consignados no n.º 1 do seu artigo 7.º, designadamente nas alíneas f), g) e j). Partindo destas premissas, designadamente no que respeita à garantia da liberdade inerente ao voluntariado e do exercício de cidadania expresso numa participação solidária, a presente regulamentação, no desenvolvimento da Lei n.º 71/98, contempla também instrumentos operativos que permitam efectivar direitos dos voluntários e promover e consolidar um voluntariado sólido, qualificado e reconhecido socialmente. Neste contexto, são, assim, objecto de regulamentação as condições de efectivação dos direitos consignados no n.º 1 do artigo 7.º, bem como outras medidas que, de harmonia com o disposto no seu artigo 11.º, se mostram necessárias à sua integral e efectiva aplicação. É, designadamente, o caso de se contemplar a criação do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado, cuja composição será definida por resolução do Conselho de Ministros, o mesmo acontecendo ao organismo que prestará o apoio necessário ao seu funcionamento e execução das deliberações. Esta entidade, para além de operacionalizar diversas acções relacionadas com a efectivação dos direitos dos voluntários, designadamente no que respeita à cobertura de responsabilidade civil das organizações promotoras, em caso de acidente ou doença contraída no exercício do trabalho voluntário e à emissão e controlo do cartão de identificação do voluntário, terá como objectivos fundamentais: Desenvolver as acções indispensáveis ao efectivo conhecimento e caracterização do universo dos voluntários; Apoiar as organizações promotoras e dinamizar acções de formação, bem como outros programas que contribuam para uma melhor qualidade e eficácia do trabalho voluntário, e desenvolver todo um conjunto de medidas que, situadas numa lógica de promoção e divulgação do voluntariado, concorram, de forma sistemática, para a sua valorização e para sensibilizar a sociedade em geral para a importância da acção voluntária como instrumento de solidariedade e desenvolvimento. Nesta base, o presente diploma procede à regulamentação da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro, criando as condições que permitam promover e apoiar o voluntariado tendo em conta a relevância da sua acção na construção de uma sociedade mais solidária e preocupada com os seus membros. Assim:Em cumprimento do previsto no artigo 11.º da Lei n.º 17/98, de 3 de Novembro, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:

CAPÍTULO I - Disposições gerais
Artigo 1.º- Objectivos

O presente diploma regulamenta a Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro, que estabeleceu as bases do enquadramento jurídico do voluntariado.

Artigo 2.º - Organizações promotoras

1 - Reúnem condições para integrar voluntários e coordenar o exercício da sua actividade as pessoas colectivas que desenvolvam actividades nos domínios a que se refere o n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro, e que se integrem numa das seguintes categorias:

a) Pessoas colectivas de direito público de âmbito nacional, regional ou local;
b) Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
c) Pessoas colectivas de utilidade pública, incluindo as instituições particulares de solidariedade social.

2 - Podem ainda reunir condições para integrar voluntários e coordenar o exercício da sua actividade organizações não incluídas no número anterior, desde que o ministério da respectiva tutela considere com interesse as suas actividades e efectivo e relevante o seu funcionamento.

Artigo 3.º - Emissão do cartão de identificação do voluntário

1 - A emissão do cartão de identificação de voluntário é efectuada mediante requerimento da organização promotora dirigido à entidade responsável pela sua emissão. 2 - Do requerimento deverão constar os seguintes elementos:

a) Referência à celebração do programa do voluntariado a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro;
b) Nome e residência do voluntário, bem como duas fotografias tipo passe;
c) Identificação da área de actividade do voluntário, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro.

3 - A suspensão ou a cessação da colaboração do voluntário determina a obrigatoriedade da devolução do cartão de identificação do voluntário à organização promotora.
4 - No caso da cessação da colaboração do voluntário a organização promotora deverá dar conhecimento do facto e devolver o cartão de identificação do voluntário à entidade responsável pela sua emissão.

Artigo 4.º - Cartão de identificação de voluntário

1 - O cartão de identificação de voluntário deve obedecer às dimensões de 8,5 cm x 6,5 cm e conter obrigatoriamente elementos respeitantes à identificação do voluntário, da organização promotora e da área de actividade do voluntário.
2 - Do cartão deve ainda constar a identificação da entidade responsável pela sua emissão, bem como a data em que foi emitido.
3 - O cartão de identificação de voluntário é emitido segundo modelo a aprovar por portaria do Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

Artigo 5.ºAcreditação e certificação do trabalho voluntário

A acreditação e certificação do trabalho voluntário efectua-se mediante certificado emitido pela organização promotora no âmbito da qual o voluntário desenvolve o seu trabalho, onde, para além da identificação do voluntário, deve constar, designadamente, o domínio da respectiva actividade, o local onde foi exercida, bem como o seu início e duração.

CAPÍTULO II - Enquadramento no regime do seguro social voluntário
Artigo 6.º - Requisitos

Pode beneficiar do regime do seguro social voluntário a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro, o voluntário que preencha, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Tenha mais de 18 anos;
b) Esteja integrado num programa de voluntariado, nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro;
c) Não esteja abrangido por regime obrigatório de protecção social pelo exercício simultâneo de actividade profissional, nomeadamente auferindo prestações de desemprego;
d) Não seja pensionista da segurança social ou de qualquer outro regime de protecção social.

Artigo 7.º - Requerimento

1 - O enquadramento no regime do seguro social voluntário depende da manifestação de vontade do interessado, mediante a apresentação de requerimento no centro regional de segurança social cujo âmbito territorial abranja a área de actividade da respectiva organização promotora, instruído com os seguintes documentos:
a) Bilhete de identidade, cédula pessoal, certidão de nascimento ou outro documento de identificação;
b) Declaração emitida pela organização promotora comprovativa de que o voluntário se insere num programa de voluntariado;
c) Declaração do interessado de que preenche os requisitos constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 6.º;
d) Certificação médica de aptidão para o trabalho efectuada pelo sistema de verificação de incapacidades, através do médico relator.
2 - O interessado deve comunicar ao centro regional de segurança social todas as alterações da sua situação susceptíveis de influenciar o enquadramento no regime do seguro social voluntário.

Artigo 8.º- Cessação do enquadramento

1 - A cessação do trabalho voluntário determina a cessação do enquadramento no regime do seguro social voluntário, devendo a organização promotora comunicar tal facto ao centro regional competente, até ao final do mês seguinte àquele em que se verificou a respectiva cessação.
2 - Verifica-se ainda a cessação do enquadramento no regime quando o beneficiário deixar de preencher algum dos requisitos constantes do artigo 6.º
3 - A cessação do enquadramento produz efeitos a partir da data do facto determinante da mesma.

Artigo 9.º- Reinício do enquadramento

O enquadramento pode ser retomado, a requerimento do voluntário, desde que os requisitos sejam de novo comprovados.

Artigo 10.º - Esquema de prestações

1 - O voluntário abrangido pelo seguro social voluntário, nos termos do presente diploma, tem direito às prestações nas eventualidades de invalidez, velhice, morte e doença profissional.
2 - A cobertura do risco de doenças profissionais é assegurada pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a actividade prestada como voluntário considera-se equiparada a actividade profissional.

Artigo 11.º - Obrigação contributiva

1 - As contribuições para a segurança social são determinadas pela aplicação das taxas contributivas, para as respectivas eventualidades, nos termos do disposto nos artigos 39.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 40/89, de 12 de Fevereiro, à remuneração mínima nacional garantida à generalidade dos trabalhadores.
2 - O pagamento das contribuições referidas nos números anteriores é efectuado pela organização promotora que integra o voluntário.

Artigo 12.º- Regime subsidiário

Em tudo o que não se encontre especificamente regulado no presente capítulo aplicam-se as disposições em vigor para o seguro social voluntário constantes do Decreto-Lei n.º 40/89, de 1 de Fevereiro.

CAPÍTULO III- Voluntário empregado
Artigo 13.º - Convocação do voluntário empregado, durante o período de trabalho

1 - O voluntário empregado pode ser convocado pela organização promotora, para prestar a sua actividade durante o tempo de trabalho, nos seguintes casos:
a) Por motivo de cumprimento de missões urgentes que envolvam o recurso a determinados meios humanos que não se encontrem disponíveis em número suficiente ou com a preparação adequada para esse efeito;
b) Em situação de emergência, calamidade pública, acidentes de origem climatérica ou humana que pela sua dimensão ou gravidade justifiquem a mobilização dos meios existentes afectos às áreas responsáveis pelo controlo da situação e reposição da normalidade ou em casos de força maior devidamente justificados;
c) Em situações especiais inadiáveis em que a participação do voluntário seja considerada imprescindível para a prossecução dos objectivos do programa de voluntariado.
2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior o voluntário dispõe de um crédito de quarenta horas anuais.

Artigo 14.º- Termos da convocatória

As faltas ao trabalho pelos motivos referidos no artigo anterior devem ser precedidas de convocação escrita da organização promotora, da qual conste a natureza da actividade a desempenhar e o motivo que a justifique, podendo, em caso de reconhecida urgência, ser feita por outro meio, designadamente por telefone, devendo ser confirmada por escrito no dia útil imediato.

Artigo 15.º-Efeitos das faltas

As faltas ao trabalho do voluntário empregado, devidamente convocado, consideram-se justificadas, sem perda de retribuição ou quaisquer outros direitos e regalias, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 71/98, mediante a apresentação da convocatória e do documento comprovativo do cumprimento da missão para que foi convocado, passado pela organização promotora.


CAPÍTULO IV - Acidente ou doença contraída no exercício do trabalho voluntário
Artigo 16.º- Seguro obrigatório

1 - A protecção do voluntário em caso de acidente ou doença sofridos ou contraídos por causa directa e especificamente imputável ao exercício do trabalho voluntário é garantida pela organização promotora, mediante seguro a efectuar com as entidades legalmente autorizadas para a sua realização.
2 - O seguro obrigatório compreende uma indemnização e um subsídio diário a atribuir, respectivamente, nos casos de morte e invalidez permanente e de incapacidade temporária.

Artigo 17.º- Apólice de seguro de grupo

Para a realização do seguro obrigatório será contratada apólice de seguro de grupo.

CAPÍTULO V- Programa de voluntariado
Artigo 18.º- Programa de voluntariado

1 - Na elaboração do programa de voluntariado a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 71/98 deverão ser tidas em conta as especificidades de cada sector de actividade em que se exerce o voluntariado.
2 - A especificidade de cada sector de actividade poderá justificar a elaboração de um modelo de programa a aprovar pelo ministro da tutela.

Artigo 19.º- Despesas derivadas do cumprimento do programa de voluntariado

1 - O voluntário, sem prejuízo da realização de despesas inadiáveis e reembolsáveis nos termos da alínea j) do artigo 7.º da Lei n.º 71/98, não pode ser onerado com despesas que resultem exclusivamente do exercício regular do trabalho voluntário nos termos acordados no respectivo programa.
2 - Sempre que a utilização de transportes públicos pelo voluntário seja derivada exclusivamente do cumprimento do programa de voluntariado, a organização promotora diligenciará no sentido de ser facultado ao voluntário o título ou meio adequado de transporte.

CAPÍTULO VI- Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado
Artigo 20.º- Constituição

1 - Com o fim de desenvolver e qualificar o voluntariado é criado o Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado.
2 - Por resolução do Conselho de Ministros serão definidas a composição do Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado, assim como o organismo que lhe prestará o apoio necessário ao seu funcionamento e execução das suas deliberações.

Artigo 21.º- Competências

Compete ao Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado desenvolver as acções indispensáveis à promoção, coordenação e qualificação do voluntariado, nomeadamente:
a) Desenvolver as acções adequadas ao conhecimento e caracterização do universo dos voluntários;
b) Emitir o cartão de identificação do voluntário nos termos estabelecidos no artigo 3.º;
c) Promover as acções inerentes à contratação de uma apólice de seguro de grupo entre as organizações promotoras e as entidades seguradoras tendo em vista a cobertura da responsabilidade civil nos termos referidos nos artigos 16.º e seguintes;
d) Providenciar junto das empresas transportadoras, sempre que se justifique, a celebração de acordos para utilização de transportes públicos pelos voluntários, considerando o disposto no n.º 2 do artigo 19.º;
e) Dinamizar, com as organizações promotoras, acções de formação, bem como outros programas que contribuam para uma melhor qualidade e eficácia do trabalho voluntário;
f) Conceder apoio técnico às organizações promotoras mediante a disponibilização de informação com interesse para o exercício do voluntariado;
g) Promover e divulgar o voluntariado como forma de participação social e de solidariedade entre os cidadãos, através dos meios adequados, incluindo os meios de comunicação social;
h) Sensibilizar a sociedade em geral para a importância do voluntariado como forma de exercício do direito de cidadania, promovendo a realização de debates, conferências e iniciativas afins;
i) Promover a realização de estudos sociológicos, designadamente em colaboração com as universidades, sobre a atitude, predisposição e motivação dos cidadãos para a realização do trabalho voluntário;
j) Sensibilizar as empresas para, em termos curriculares, valorizarem a experiência adquirida em acções de voluntariado, especialmente dos jovens à procura de emprego;
l) Acompanhar a aplicação do presente diploma e propor as medidas que se revelem adequadas ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento.

CAPÍTULO VII- Disposições finais
Artigo 22.º- Avaliação
No prazo de um ano após a entrada em vigor do presente diploma será feita a avaliação dos mecanismos no mesmo estabelecidos para operacionalização e promoção do trabalho voluntário, nomeadamente o desenvolvido pelos titulares dos órgãos sociais das organizações promotoras, tendo em vista a introdução das alterações que se mostrem necessárias.


Artigo 23.º- Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor um mês após a data da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Julho de 1999. - Jaime José Matos da Gama - Guilherme d'Oliveira Martins - Francisco Ventura Ramos - Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Promulgado em 17 de Setembro de 1999.Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.Referendado em 20 de Setembro de 1999.O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

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