quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Mudar a sua condição social

17.10.2007, Andreia Sanches e Ana Cristina Pereira

A pobreza em Portugal não é uma condenação. Estudo seguiu um grupo de famílias entre 1995 e 2001 e constatou o sucesso de metade
Quem disse que a pobreza era uma fatalidade? Cerca de metade dos portugueses com mais de 16 anos seleccionados no âmbito de uma amostra foram considerados pobres em 1995, mas deixaram de o ser em 2001. "Os fluxos para dentro e para fora da pobreza" constam do estudo Género e Pobreza - Impacto e determinantes da pobreza no feminino, de uma equipa do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa.
O tema é relativamente recente, diz o co-autor Francisco Nunes. Os investigadores analisaram dados obtidos a partir do Painel Europeu dos Agregados Familiares, um inquérito conduzido entre 1995 e 2001, pelo Eurostat, em vários países da União Europeia. "Os indivíduos observados em 1995 foram os mesmos observados em 2001, a amostra é igual."Que acontecera nesse período? Metade (49 por cento) dos que em 1995 eram pobres já não o eram em 2001; por outro lado, 10,3 por cento dos não pobres tinham caído na pobreza. Por pobres consideraram-se então todos os que viviam com rendimentos abaixo do valor que definia o limiar de pobreza monetária e que era, em 2001, de cerca de 300 euros. Na opinião de Francisco Nunes, este indicador deve ser lido com cuidado. "As taxas de entrada e saída da pobreza são muito diferentes", desde logo porque calculadas a partir de universos com dimensão distinta: o número de pobres é sempre muito menor do que o dos não pobres. Ainda assim, o investigador atribui-lhe muita importância, já que permite "ver os factores de vulnerabilidade associados a alguns subgrupos da população". Os idosos isolados, aponta, são os que mais dificuldades têm em sair da pobreza. Por exemplo: das mulheres com 65 ou mais que viviam sós e eram pobres só 29 por cento viram as suas condições de vida melhorar. E quase um quarto das que não eram pobres passaram a sê-lo. O padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Antipobreza, não se surpreende: "A pobreza persistente é só uma parte, senão estávamos perdidos." O pároco nota que há sempre quem, por intermédio da educação, da formação, do emprego, consiga dar a volta; como há sempre quem entre "no desespero", caia numa situação de desemprego, de doença, de velhice. José Maia, presidente da Fundação Filos, ex-líder da Confederação de Instituições Particulares de Solidariedade Social, não arrisca extrapolar estes fluxos de entradas e saídas da pobreza para outros períodos. Lê nestes dados efeitos de políticas concretas. Recorda que "1995-2001 foi a era António Guterres: em 1997 foi criado o rendimento mínimo garantido", depois convertido em rendimento social de inserção. Esta é também a data de nascimento do Mercado Social de Emprego, programa do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Situação terá pioradoRessalvando desconhecer a análise, a economista Manuela Silva lembra que, se metade das pessoas saiu da pobreza, "outra metade não conseguiu, o que é grave num país que pelo seu nível de recursos não deveria ter pobres". E acredita que, se a mesma análise fosse feita para 2007, se verificaria que "a percentagem de pessoas que entraram na pobreza seria mais elevada", porque "houve uma degradação das condições de vida". Dados divulgados anteontem pelo Instituto Nacional de Estatística do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento mostram que a taxa de pobreza da população baixou, entre 2004 e 2005, de 20 para 19 por cento. Uma redução que segundo o investigador Carlos Farinha Rodrigues não é significativa: é necessário "ver o que se vai passar nos próximos anos". Para o sociólogo Sérgio Aires, na essência, nada mudou. Aplicando estas taxas de pobreza às estimativas do INE da população residente, havia, em 2005, cerca de dois milhões de pobres - menos 97 mil do que no ano anterior. "É bom saber que diminui, mas é muito insuficiente", torna Manuela Silva, frisando ainda que muitas das pessoas que não são consideradas pobres "em rigor o são". Elas só ultrapassam a linha de pobreza porque recebem apoios do Estado. José Maia associa a evolução do número de pobres em Portugal às políticas de António Guterres

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